Um bispo propõe aos jovens fazer
jejum de SMS. Rosário, Joaquim e os filhos vêem menos televisão para
conversarem mais. Jaime pôs um aviso no Outlook para rezar diariamente
ao meio-dia. José abre o
Skype para rezar com mais dois amigos – e em
latim…
A Quaresma é pretexto para jejuns vários e para novos usos da tecnologia.
João Silva nem sequer sabia o que era isso do
jejum da Quaresma.
No grupo de escuteiros a que pertence, decidiram questionar-se sobre o
que fazer que traduzisse a penitência quaresmal. Com 18 anos, a
frequentar o 12.º na área de Humanidades, João pediu ao pároco que lhe
explicasse o sentido dessas coisas.
“Nunca tinha feito nada disto. Como
estamos no ano de São Paulo, ficou decidido cada um escolher algo que
significasse o jejum, para tentar melhorar um pouco de si mesmo. Eu até
gosto de comer. Decidi reduzir a quantidade de comida e não beber
refrigerantes”, diz ao P2.
O jejum tradicional significava, no catolicismo, não comer nas sextas-feiras da Quaresma. A
par da abstinência de carne, essa forma de renúncia traduzia o desejo
de purificação do corpo e dos sentidos durante o tempo litúrgico que
antecede a Páscoa, a festa maior do cristianismo, que assinala a
ressurreição de Cristo.
“É uma forma de me tentar pôr à
prova, um desafio, para ver o que consigo fazer nestes 40 dias. É uma
experiência de domínio sobre o corpo”, acrescenta João, que reside em Caneças (Odivelas), explicando o sentido da sua decisão.
A proposta do bispo de Modena, em Itália, aos jovens da sua diocese, foi noutra linha:
“Renunciar ao envio de mensagens SMS em cada sexta-feira da Quaresma.” A ideia é permitir que eles
“se desintoxiquem do mundo virtual e se reencontrem consigo mesmos”, dizia o bispo Benito Cocchi, citado pela
AFP.
A proposta do bispo teve sucesso, pelo
menos entre outros colegas: os de Bari (Sul) e Pesaro (Centro). E tem
uma razão social de fundo, dizia o diário italiano
La Repubblica:
com 50 SMS/mês por pessoa, a Itália é o segundo país da Europa, atrás
do Reino Unido, no número de mensagens escritas enviadas por telefonino,
nome que os italianos dão ao telemóvel.
Também em Portugal, o bispo de Lamego, Jacinto Botelho, sugeriu, entre outras coisas, um “jejum
de atitudes e de palavras, desde o uso moderado dos meios de
comunicação, por exemplo, televisão, rádio, CD, Internet, telemóvel, o
próprio automóvel”.
Tais sugestões não são consensuais, mesmo dentro da Igreja. Gian Maria Vian, editor do
L’Osservatore Romano, jornal do Vaticano, afirmou que as mensagens curtas são, por natureza,
“uma ferramenta neutra, nem boa nem má”. E acrescentava:
“Se
as mensagens de texto são um meio apropriado de comunicar, não vejo por
que nos devamos privar delas na Sexta-Feira Santa ou noutro dia.”
Ideia ridícula?
Giani Gennari, teólogo que escreve para o
Avvenire, o jornal ligado à Conferência Episcopal, disse que a ideia do bispo de Modena é
“ridícula”. E criticou:
“Pode
lançar-se uma campanha para desligar a luz e ficar às escuras. Estas
propostas bizarras arriscam-se a tornar banal todo o sentido da
Quaresma. Os padres fariam melhor pedindo aos fiéis que renunciassem a
uma chávena de café e dessem o dinheiro aos pobres.”
Certo é que, nesta altura do ano, as
propostas são muitas. Os bispos católicos escrevem normalmente uma
mensagem a propor uma purificação pessoal. Se ela se concretizar de
forma material, os crentes são depois convidados a dar o dinheiro que
resulta dessa atitude para um fim determinado.
Em Portugal, a maior parte das dioceses optou por canalizar o produto da renúncia quaresmal,
assim chamada, para apoio aos mais pobres e às vítimas da crise
económica (ver PÚBLICO de 1 de Março). Em Itália, há ainda quem tenha
proposto que os católicos abdiquem de utilizar o carro aos domingos (bispo de Trento) ou que bebam água da torneira e não de garrafas (patriarca de Veneza).
Mas houve quem aderisse ao jejum tecnológico.
Com os seus 12 filhos (11 em casa, pois o mais velho, de 29 anos, já
casou), Rosário e Joaquim Pernas decidiram fazer um jejum de televisão.
Membros do
Caminho Neocatecumenal,
um movimento católico que aposta na formação dos seus membros, Rosário,
de 52 anos, é tradutora, e Joaquim, de 56, trabalha numa agência de
viagens. A decisão, dizem,
“é para dar mais importância às pessoas e uma oportunidade para falar mais uns com os outros”.
E não foi difícil aos mais pequenos (12, nove e sete anos) aceitar tal opção? “Habitualmente já não vemos muita televisão”, explica Joaquim. “Vêem-se
os telejornais, futebol e râguebi, ou o canal Disney para os mais
pequenos. Olham para esta decisão com naturalidade. E entendem que é uma
ajuda para despertarmos mais para a necessidade dos outros.” Essa foi mesmo a promessa de Constança, nove anos – “ver menos desenhos animados”.
Convento virtual
Se há quem proponha o jejum tecnológico, há quem aproveite a tecnologia para viver melhor a Quaresma e a sua vida cristã. José Rosa, de 43 anos, casado e pai de dois filhos, resolveu criar com mais dois amigos um convento virtual.
Professor, residente na Covilhã, junta-se diariamente a outro colega da
mesma cidade e a um terceiro que mora na zona de Lisboa.
Por volta das 23h00, os três abrem o
Skype para falar em conferência. Em cada computador, está já aberto o site
www.almudi.org.
Aqui, encontra-se o breviário, o livro que reúne as orações que, nos
conventos, marcavam o ritmo aos tempos: matinas, laudes, vésperas,
completas e as horas intermédias (tércia, sexta, noa).
Montis Stellae Caenobium.
Convento Serra da Estrela é o nome que os três monges virtuais
escolheram para esta oração diária através da Net. Por vezes, há outros
amigos ou conhecidos que se lhes juntam.
“A nossa ideia foi responder à
questão de como rezar hoje na cidade. O que materializa este convento é a
existência de uma ferramenta na Internet que possibilita a conferência
em simultâneo”, diz José Rosa. Por estes dias, aliás, o convento ultrapassa mesmo o Atlântico, já que um dos seus membros está no Brasil.
Mal se abre o site, é como se tivéssemos o
breviário da Liturgia das Horas à frente, para desfolhar à medida que a
oração prossegue. À noite, rezam completas. Por vezes, por volta das
19h00, também rezam vésperas. “Trata-se de adaptar o espírito monacal ao regime tecnológico”, diz o professor, para quem a ideia não é “nada do outro mundo”.
Há outra dimensão importante neste convento virtual: “Valorizamos também a beleza da liturgia: por isso rezamos em latim”,
diz. Professores na área da Filosofia, todos estão à vontade com a
língua. E ainda podem cantar os salmos e as antífonas, pois a ferramenta
permite isso mesmo.
Jaime Faria, de 39 anos, gestor do ramo
automóvel, teve que encontrar tempo para rezar sozinho. Casado com
Teresa, de 35 anos, pediatra, têm três filhos. Com o nascimento das
crianças, o tempo passou a escassear.
“Em solteiros, éramos capazes de
rezar juntos. Agora, era mais difícil manter uma rotina. Associei um
aviso ao Outlook para me lembrar do meio-dia e passei a rezar o Angelus” – uma oração tradicional e curta, que se reza a essa hora.
Jaime e Teresa conheceram-se numa missão de voluntariado, em São Tomé, dos
Leigos para o Desenvolvimento. Hoje, fazem parte de um grupo das Equipas de Nossa Senhora, movimento católico de casais.
O assistente da equipa a que pertencem, padre Edgar Clara, envia-lhes também textos e pistas para a oração. “Quando
ele manda, reencaminho para a Teresa. A tecnologia não muda a minha
relação com Deus, mas ajuda a lembrar-me que tenho uma relação com
Deus.”
Há muitos outros instrumentos disponíveis na Net. Em
liturgia.pt,
o Secretariado Nacional da Liturgia também disponibiliza a Liturgia das
Horas. É possível, aliás, descarregar uma versão abreviada para o
telemóvel.
O site
sacredspace.ie,
criado pelos jesuítas irlandeses, tornou-se um dos mais conhecidos, com
várias línguas, incluindo o português. Em cada hora, durante o último
mês de Fevereiro, o Lugar Sagrado teve 661 pessoas a rezar alguma das
várias propostas de oração ali feitas.
Em
www.taize.fr,
é possível acompanhar as orações da comunidade monástica ecuménica de
Taizé (França), que junta monges católicos e protestantes. Há ainda o
evangelhoquotidiano.org, onde predominam os textos bíblicos.
Há pouco mais de dois meses, foi noticiado que a Liturgia das Horas passaria a estar disponível para o iPhone em inglês, francês, italiano e espanhol – o português virá mais tarde.
Terão sido estes fenómenos que, na semana
passada, levaram o Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais a
convocar bispos de 80 países para debater as Novas Perspectivas para a Comunicação Eclesial – Mudanças na cultura e na tecnologia da comunicação.
Blogues, redes sociais e ferramentas como o Facebook, Youtube, Flickr ou Twitter foram alguns dos fenómenos debatidos e que serão tratados num documento orientador, a publicar até final do ano.
Na oração de vésperas desta tarde, será lido um excerto da Carta de São Paulo aos Romanos: “Não
vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da
vossa mente para saberdes discernir, segundo a vontade de Deus, o que é
bom, o que lhe é agradável, o que é perfeito.”
Tudo isto pemite a cada um viver a sua religiosidade como bem entender.
Parece-me bem!
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