segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A Dama De Ferro / The Iron Lady


Meryl Streep rouba o papel talhado para os líderes europeus

Há cheiro de Oscar no ar, situação recorrente sempre que um intérprete extraordinário incorpora no cinema uma figura histórica de relevo. Desta vez, a expectativa acontece com The Iron Lady (A Dama de Ferro). A talentosa atriz americana Meryl Streep retraça o triunfo e a queda da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, a reformadora responsável pelo renascimento da economia da Grã-Bretanha, na década de 80 – à época um reino estagnado pela inflação, de crescimento econômico anêmico, alto índice de desemprego, contido por uma legislação laboral arcaica e em pleno mergulho na decadência.

Em 1954, houve expectativa semelhante com o lançamento de Júlio César, filme no qual Marlon Brando é Marco Antonio, o célebre general e Tribuno da Plebe no Império Romano, baseado no drama escrito por outra estrela maior: William Shekespeare. Contrário a Forest Whitaker, ganhador da estatueta dourada de Melhor Ator pela interpretação do ditador africano Idi Amin Dada, Brando finalmente recebeu apenas a indicação

A Dama de Ferro foi dirigido por Phyllida Lloyd, com quem Streep, recordista com 16 indicações ao Oscar, já trabalhou no musical Mamma Mia! O filme tem estréia prevista para o início de janeiro do ano que vem na Europa, Estados Unidos e, um mês depois, no Brasil. Boa oportunidade para lembrar que é possível sair das crises duradouras e consideradas insolúveis – e para os mais jovens conhecerem a trajetória incomum da baronesa Thatcher de Kesteven, de 86 anos de idade.

Thatcher quebrou as rígidas barreiras de gênero e da classe política inglesa. Em 1979,  tornou-se a primeira mulher a ser primeira-ministra do Reino Unido e, em consequência da sua ação, um  ícone inglês moderno, ao mesmo tempo, celebrado pelos resultados positivos e detestado por implementar medidas impopulares para preservar o interesse público. Desde Winston Churchill nenhum governante inglês foi tão determinante na mudança de curso do país e na proximidade do “milagre econômico”, uma inspiração até para políticos de ideário oposto ao dela, como foi o caso dos trabalhistas Tony Blair e Gordon Brown.

Lady T governou a Grã Bretanha durante três mandatos até 1990 quando perdeu apoio dos companheiros do Partido Conservador cedendo lugar ao apático John Major. Ela sobreviveu a uma tentativa de assassinato em 1984, liderou a vitória da Inglaterra na guerra contra a ditadura argentina pela retomada das Ilhas Malvinas e com determinação sem paralelo entre seus pares europeus, enfrentou o sindicalismo radical que dava as cartas na Inglaterra, trazendo de volta à sede do governo inglês para o 10 Downing Street. Suas políticas econômicas focaram na desregulamentação do setor financeiro, na flexibilização do mercado de trabalho e na privatização das ineficientes empresas estatais. O conjunto da obra lhe valeu o apelido “Dama de Ferro”.

O crítico de cinema Baz Bamigboye sustenta que somente uma atriz com a estatura de Streep seria capaz de capturar a essência de Thatcher para leva-la à tela. “É um desempenho altaneiro, irá estabelecer novo patamar de atuação no cinema”, escreveu, ele no diário londrino Daily Mail. Ainda não surgiu voz dissonante entre os que assistiram a seletas exibições do filme. Parece um afinado coro de louvores. Quando isso emerge da tradicional exigência inglesa pela interpretação fiel de personagem determinante na história das ilhas britânicas, pode se esperar espetáculo raro. Xan Brooks, do The Guardian, qualificou o desempenho da protagonista de “espantoso, sem imperfeição.” The Kevin Maher, do The Times, vai mais longe: “Streep encontrou a mulher dentro da caricatura”. David Gritten, do The Telegraph, faz previsão sem correr muito risco de erro: “As premiações estão no caminho de Streep.”

As semelhanças físicas naturais entre as mulheres e os truques de maquiadores, cabeleireiros e estilistas criaram uma confusão. Fica difícil distinguir, já pelo cartaz do filme, quem é quem? Se Thatcher ou Streep. Mas não era assim há dois anos atrás quando a atriz americana, de 62 anos de idade, foi escolhida para o papel da mulher criada no andar acima de uma mercearia em Grantham, na costa leste da Inglaterra e à beira da lendária estrada de ferro Londres-Edinburgo. Como poderia uma americana de New Jersey entender os meandros da classe política britânica aos quais Thatcher teve que driblar para escalar o pico mais alto. Alguns simpatizantes de Thatcher chegaram a julgar um “insulto” a escolha de uma militante de esquerda como Streep para o papel da sua heroína. Enganaram-se.

“Ainda não concordo com muitas de suas políticas”, disse Streep. “Porém, sinto que Thatcher acreditava nelas e que emergiram de convicção honesta e não de política superficial que muda de maquiagem para adaptar-se a circunstancias do tempo.” E arrematou: “Ela continua sendo uma figura incrivelmente polêmica, mas hoje, sente-se falta de sua clareza.  Tudo o que dizia era muito claro e sincero. Adorei interpretar este ímpeto que provoca tumulto, mas transforma tudo em idéias.” Thatcher denunciava com frequência a falta de idéias e insistia que a política deveria ser sobre pensamentos que conduzissem a ações. Neste particular, sua semelhança com os atuais líderes europeus lembra a de um xavante e um pigmeu.

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